sábado, 28 de janeiro de 2017

"Extasiado diante de si mesmo, sem mover-se do lugar... o rosto fixo, absorvido com este espetáculo, ele parece uma estátua de mármore.
Deitado no solo, contemplando dois astros, que são os seus próprios olhos, contempla seus cabelos, sua face, seu pescoço de marfim, sua boca encantadora e a brancura de sua pele. Admira tudo aquilo que suscita sua própria admiração.
Em sua ingenuidade, deseja a si mesmo.
 A si mesmo dedica seus próprios louvores. Ele mesmo inspira os ardores que sente.
Ele é o elemento do fogo que ele próprio acende. 
E quantas vezes dirigiu beijos vãos à onda enganadora! Quantas vezes, para segurar seu pescoço ali refletido, inutilmente mergulhou os braços no meio das águas.
Não sabe o que esta vendo, mas o que vê extasia-o, e o mesmo erro que lhe engana os olhos acende-lhe a cobiça. 
Crédula criança, de que servem estes vãos esforços para possuir uma aparência fugidia? O objeto de teu desejo não existe. O objeto de teu amor, vira-te e o farás desaparecer.
Esta sombra que vês, é um reflexo da tua imagem. Não é nada em si mesma; foi contigo que ela apareceu, e persiste, e tua partida a dissipará, se tivesses a coragem de partir."

Metamorfoses (Origem de Narciso)
Ovídio (43 A.C.- 18 D.C.)